sábado, 3 de outubro de 2015

Monitoramento de marcas nas redes sociais


MARCAS USAM AS REDES SOCIAIS PARA CATIVAR OS CONSUMIDORES
COM AÇÕES OPORTUNISTAS, CHAMADAS DE MARKETING EM TEMPO REAL, AS EMPRESAS AVANÇAM SOBRE A INTERNET PARA CONQUISTAR A MASSA DIGITAL. HÁ CASOS DE IMENSO SUCESSO, MAS TEM CADA FIASCO...

“SALA DE GUERRA” DA COCA-COLA, NO RIO, ONDE UMA EQUIPE DA MARCA MONITORA O ZUM-ZUM DAS REDES SOCIAIS (FOTO: EDUARDO ZAPPIA)

Matéria originalmente publicada na edição de agosto de Época NEGÓCIOS.

No fim de junho, a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou inconstitucionais as leis que proibiam o casamento entre gays nos 50 estados americanos. Tão logo a medida foi anunciada, Barack Obama tuitou: #LoveWins (literalmente, o “amor vence”). Foi uma festa. A partir daí, um turbilhão digital varreu o mundo. De acordo com o Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic), uma consultoria especializada no monitoramento da web, a expressão apareceu em 12 milhões de publicações na internet, em todos os idiomas – sendo 630 mil em português. Isso em somente 24 horas. Ou seja, a repercussão, tanto do fato quanto da frase, foi estonteante – e instantânea.

Muitas empresas farejaram uma oportunidade nessa insólita proliferação de manifestações. Rapidamente, tingiram as suas logomarcas com os tons do arco-íris, tomado como símbolo dos direitos homossexuais, ou dispararam pela internet textos enaltecendo o amor. No Brasil, não foi diferente. Por aqui, mergulharam nessa onda companhias de setores variados como Gatorade, Citroën, Netflix, Livraria Cultura, Saraiva, Outback e Domino’s... (só para citar algumas).

O que se viu naquela ocasião, contudo, não foram ações irrefletidas, disparadas a esmo por empresas que agiram de forma espontânea, levadas pelo inebriante zum-zum das redes sociais. Na maioria dos casos, a investida das marcas (como na inundação de arco-íris digitais) retrata um fenômeno executado com algum cálculo e uma pilha de segundas intenções. Esse tipo de iniciativa tem até nome. Os publicitários a definem como marketing em tempo real (ou real time marketing, no jargão).

O termo designa um tipo de intervenção promovido pelas empresas em grandes pontos de encontro na internet, onde multidões de consumidores estão reunidas. Os locais mais visados são o Facebook (1,44 bilhão de usuários ativos por mês) e o Twitter (302 milhões de participantes por mês), além do YouTube (1 bilhão de adeptos) e aplicativos como o Snapchat (100 milhões de participantes por dia), um sucesso entre adolescentes. O objetivo dessas intromissões não se resume à venda de um produto – embora não a exclua. Elas têm, na maioria dos casos, um caráter institucional. As ações visam estabelecer uma espécie de cumplicidade das empresas com a massa que habita as redes sociais – e, no fim do dia, talvez conquistá-la.

Para isso, o marketing em tempo real utiliza-se de um amplo matiz de mensagens. Elas instigam a plateia das redes com vozes que vão da solidariedade (como no caso da questão homossexual) à indignação. Em outros momentos, tentam cativar a audiência online pela ironia ou pelo humor. Há um pouco de tudo, contanto que esse “tudo” ative uma repercussão positiva da marca no universo digital. Há casos de impacto impressionante.

A AÇÃO MAIS BEM-SUCEDIDA DE MARKETING EM TEMPO REAL OCORREU NA FINAL DO SUPER BOWL, EM 2013, NOS ESTADOS UNIDOS. UMA IMAGEM DA MARCA DE BISCOITOS OREO SOMOU 525 MILHÕES DE VISUALIZAÇÕES NO FACEBOOK E NO TWITTER

A invasão do biscoito
Nova Orleans, 3 de fevereiro de 2013. O Baltimore Ravens e o San Francisco 49ers estavam em campo para disputar a 47ª edição do Super Bowl, a grande final do campeonato de futebol americano – e um dos intervalos publicitários mais caros do planeta (à época, US$ 4 milhões por 30 segundos). Enquanto as equipes se preparavam para iniciar os dois últimos quartos da partida, um blecaute deixou metade do estádio na escuridão.

Foi automático. Grande parte dos mais de 100 milhões de telespectadores que acompanhava o jogo lançou-se sobre as redes sociais. Essa turma, uma assembleia gigante, estava à caça de informações sobre o motivo da queda de energia ou apenas passava o tempo em mexericos diversos.

Nesse instante, a equipe de publicidade da Mondelez, dona da marca Oreo, publicou a seguinte frase, acompanhada de uma foto, no Twitter e no Facebook: “Você pode mergulhar o seu biscoito mesmo no escuro (You can still dunk in the dark)”. O texto remetia à tradicional maneira usada pelos americanos de embeber a bolacha no leite antes de consumi-la.

A rede – esse universo tão populoso quanto indômito – adorou a brincadeira. A expressão foi compartilhada mais de 15 mil vezes no Twitter e no Facebook apenas na primeira hora, com um alcance de 525 milhões de visualizações da imagem. Além disso, a iniciativa gerou reportagens em veículos de imprensa (mídia espontânea) de mais de cem países. A marca Oreo, que nem patrocinava a competição, meteu-se no meio do jogo e fez um golaço – ou um touchdown, para ser mais preciso – sem suar a camisa.

Um nó na garganta e outro no canudo
Não existe uma receita, um manual, para a atuação das empresas nessa variedade do marketing. As investidas estão mais para ações de guerrilha do que para ciência. Afinal, trata-se de uma prática recente. O termo “real time marketing” começou a ser pesquisado no Google em 2008, mas a consulta se tornou mais frequente em 2013. O ápice das buscas deu-se em julho de 2014, durante a Copa do Mundo, quando várias marcas criaram equipes para atuar em tempo real. A Coca-Cola é um exemplo.

A empresa conta com um time de 50 profissionais atuando em real time marketing somente no Brasil. Essa turma fica em uma “sala de guerra” (war room), dentro da sede da empresa, no Rio. Lá, há colaboradores de oito diferentes prestadores de serviço da marca, como agências de publicidade, gente especializada em monitoramento de redes sociais ou em produção de conteúdo. O local é chamado de “basement” (porão).

A Coca-Cola avança sobre as redes sociais em quatro etapas. Elas são segmentadas em 1) escutar, 2) reagir, 3) falar e 4) amplificar. Muitas vezes, entre o começo e o fim dessa sequência não se passam três horas. Aliás, o real time é veloz. Velocíssimo. Exige, como se diz, timing. Tudo pode começar pelo monitoramento das redes, quando se capta uma oportunidade de inserção da marca em um burburinho digital. “Precisamos ouvir os consumidores e contextualizar o que eles desejam ver nas redes sociais”, diz Rafael Prandini, diretor de real time marketing da multinacional no Brasil. “Depois, fazemos com que essas conversas cheguem a um público mais amplo.”

Esse processo foi posto à prova na Copa, em 2014. Após a tragédia dos 7 a 1, a maioria das empresas ficou muda (ou seria catatônica?) nas redes sociais. A Coca-Cola reagiu. Publicou a imagem de um canudo com um nó, colocado dentro da garrafa da marca. O texto dizia: “Um sentimento: nó na garganta” (veja quadro ao lado). A decisão de publicar a mensagem não foi simples. Tratava-se de uma situação delicadíssima. “Nesse momento, foi importante contar com a proximidade da liderança corporativa. Tínhamos de ter clareza que estávamos no caminho correto e aprovar rapidamente a intervenção”, diz Prandini. No balanço final, a investida foi bem-sucedida. De acordo com a Coca-Cola, a marca alcançou 92% de menções positivas nas redes sociais com essa e outras ações durante o Mundial no Brasil.
CLIQUE NA IMAGEM PARA AMPLIAR (FOTOS: ROGÉRIO LACANNA; CBS PHOTO ARCHIVE/GETTY IMAGES; DIVULGAÇÃO)

As três versões do tempo real
Há, atualmente, pelo menos três modalidades de real time marketing. Algumas ações são definidas como “sociais”. As empresas, nesses casos, conversam com o público diariamente. Essa versão representa um aprimoramento do SAC (um SAC 2.0, por assim dizer). O segundo grupo tem a ver com efemérides. É o mais comum. As intervenções ocorrem em eventos (Oscar, Globo de Ouro, Copa do Mundo, Olimpíada) ou em datas especiais (Dia dos Namorados, Mães, Pais). O terceiro modelo distingue-se pela forma contínua de comunicação com os consumidores. Ela é executada com base na análise de comportamento das pessoas nas redes. “Hoje, o sucesso de uma iniciativa de marketing em tempo real vem 80% de planejamento e 20% de improviso”, diz Laura Kroeff, vice-presidente de planejamento da agência de publicidade W3haus.

Seja qual for a estratégia, tomar o pulso das redes sociais com perspicácia é uma tarefa essencial para as equipes de real time. Para isso, o Bradesco firmou recentemente uma parceria com um painel de indicadores da web da agência R/GA. Trata-se do Social Dynamite. Criada no Brasil, e com prognóstico de ser exportada para outros mercados em breve, a ferramenta tem como objetivo antecipar eventos na web a partir da análise de expressões utilizadas nas redes. Conta, hoje, com cerca de 20 mil datas monitoradas. “Olhamos para a marca, para o estilo de vida dos consumidores que a companhia quer atingir e priorizamos os assuntos que são mais relevantes”, diz Fabiano Coura, vice-presidente de operações da R/GA. “Acompanhamos também os portais de notícias que são importantes para esses públicos.”

Outra marca com forte interação junto ao público digital é O Boticário. A partir do estudo de casos de real time marketing, a empresa lançou uma plataforma chamada “Espelho da Beleza”, assinada pela agência W3haus. Ela elabora rankings com os desejos de beleza das brasileiras. Faz isso “escutando” as conversas nas redes sociais. Aberto ao público, o portal mostra os assuntos mais comentados em determinado momento no país. A partir daí, a equipe da agência produz conteúdos especiais sobre os temas de maior apelo.

Em setembro do ano passado, por exemplo, o programa Encontro com Fátima Bernardes, da Globo, abordou o assunto “cabelos afro”. De olho nos comentários que brotavam das redes, a turma da W3haus constatou que as consumidoras gostariam de receber dicas sobre produtos para cabelos cacheados. A equipe de real time, então, publicou posts sobre esse tema.

Com o sucesso no Facebook, a oportunidade migrou para os canais de venda: a companhia lançou uma promoção com 15% de desconto nas linhas para cabelos cacheados no e-commerce. A ação gerou um incremento de 30% no tíquete médio na efetivação de compras online, além de um aumento de 140% nas visitas às linhas relacionadas a cabelos cacheados. “Com os dados e as análises corretas, podemos conseguir algo semelhante à bola de cristal do consumo, que todo mundo gostaria de ter”, diz Laura Kroeff, da W3haus. A agência possui mais de 20 pessoas atuando nessa ferramenta.


Às vezes, dá um problemão
O Ponto Frio, da Via Varejo, também acumula ações bem-sucedidas de marketing em tempo real. Desde 2008, criou um personagem, o Pinguim, que interage com os consumidores nas redes. A marca tem mais de 1 milhão de fãs no Facebook e 200 mil seguidores no Twitter. “O marketing do futuro vai ser em tempo real. É uma evolução dos canais de contato com o consumidor”, diz Vicente Rezende, executivo-chefe da Cnova, empresa que também pertence à Via Varejo e opera o e-commerce do Pontofrio.com.

Ocorre que, não raro, a comunicação em tempo real pode virar um pesadelo. Em outubro passado, por exemplo, a marca divulgou nas redes uma hipotética lista de presentes para o casamento entre Suzane von Richthofen, condenada por participar do assassinato dos pais, em 2002, e Sandra Regina Gomes. Ambas cumprem pena no mesmo presídio. A “lista” incluía sugestões como um conjunto de facas, um batedor de carne e um taco de beisebol. Foi considerada absurda na internet. “Nesse caso, a empresa deve ser verdadeira e assumir que está errada”, diz Rezende.

Foi o que o Ponto Frio fez. E o tropeço não diminuiu a importância das mídias sociais para a companhia. Segundo o último relatório disponível (2012), a empresa faturou mais de R$ 20 milhões pelo Twitter. No mês passado, o pinguinzinho, o avatar criado nas redes, migrou de hábitat. Ele passou a estrelar as campanhas publicitárias da marca na televisão.

O Boticário também se enrascou em uma polêmica de marketing em tempo real. No Dia dos Namorados, lançou um filme na TV, replicado nas redes sociais, com diferentes tipos de casais (heterossexuais e homossexuais) trocando presentes. A ideia foi alvo de um massacre na web. Foi parar no site Reclame Aqui. Só no dia 1º de junho, foram mais de 160 queixas. As respostas corporativas tiveram de passar pela aprovação de executivos de departamentos como marketing, comunicação e jurídico. A empresa, no entanto, decidiu defender a campanha.

A partir daí, milhares de pessoas apoiaram o conteúdo dos filmes em seus perfis nas redes. Gente que nem sequer comprava os produtos da marca O Boticário foi a lojas da empresa, tirou fotos e as postou em uma crítica frontal aos que se opuseram às imagens dos casais. Apesar da grande turbulência, a companhia, no fim das contas, saiu no lucro.

Os críticos disseram que O Boticário, ao manter o apoio à “diversidade do amor”, soube se posicionar de maneira firme diante de uma questão polêmica. E esse bafafá é típico do marketing em tempo real: uma simples mensagem – ou uma postura adotada pela corporação – pode virar a história de uma marca de ponta-cabeça ou deixá-la de vez na mente dos consumidores.

NO DIA DOS NAMORADOS, O BOTICÁRIO DIVULGOU UM FILME COM CASAIS HOMOSSEXUAIS. A MENSAGEM PROVOCOU GRANDE POLÊMICA NA WEB.MAS A EMPRESA DEFENDEU A PROPAGANDA E CONQUISTOU O APOIO DOS INTERNAUTAS

Ferramentas de risco
Este ano, programas como o Periscope, do Twitter, e o Meerkat chegaram ao mercado, incrementando as possibilidades do real time marketing. Ambos transmitem vídeos captados por celulares ao vivo pela internet. Com isso, qualquer pessoa com um smartphone na mão pode realizar a cobertura de um evento (ou uma entrevista para seus seguidores nas redes sociais). A audiência também faz comentários enquanto as imagens são reproduzidas.

Em março, a Adidas veiculou ao vivo, pelo Periscope, um anúncio que contou com a participação do jogador colombiano James Rodríguez, do Real Madrid. Ao vivo, a C&A e a Skol também repassaram para as redes imagens do festival Lollapalooza, para ampliar o alcance das ações realizadas no evento. O problema, porém, é a imprevisibilidade inerente a esse tipo de ferramenta. Agências e anunciantes nem sempre têm o controle sobre as imagens e muito menos sobre os comentários do público durante as transmissões. Ou seja, o potencial de gafes e tiros no pé das marcas é gigantesco – e todo o cuidado, como dizem, parece pouco.

http://epocanegocios.globo.com/Informacao/Acao/noticia/2015/09/marcas-usam-redes-sociais-para-cativar-os-consumidores.html

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